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"[...] cá entre nós, isto é uma parábola: um bom astrônomo saberá ler nas estrelas sinais e símiles que nos permitem silenciar muitas coisas." (F.W. Nietzsche)

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Lua Astrológica

A Lua Astrológica



“A mente humana é como a lisura de um lago calmo: por baixo da placidez silente de sua superfície espreitam aqueles inomináveis seres cujas garras capturam o incauto navegante e o arrastam para baixo, para o abismo gélido aonde Dagon, o deus cruel, nada e reverencia Aquele cujo nome não pode ser pronunciado.”
                - Da obra de ficção “Alone in the Dark”


                Quando eu estava no início dos meus estudos de astrologia, me apoiava fortemente num manual de duas autoras americanas para a interpretação dos planetas nos signos, e eu lembro que delinear a Lua nos mapas era um aborrecimento... descrições tão longas e variadas, quase incoerentes em alguns pontos! Não seria possível condensar e resumir melhor (ou seja, em menos de uma página inteira) o que seria, por exemplo, uma Lua em Áries, ou uma conjunção Lua-Netuno?

                A experiência e a incorporação de outras interpretações não apenas astrológicas, mas alquímicas e gnósticas em geral, ensinou que a Lua está longe de ser lógica - quanto mais facilmente definível! Enquanto Venus incorpora o lado manifesto do Feminino, sua ação no mundo, a Lua representa todos os Mysteria, o lado oculto por excelência de nossa esfera emotiva. Vamos nos aproximar aos poucos da questão.

                Na psique humana, o medo da Noite, a riqueza de expressões e metáforas – em todos os idiomas – que ligam a noite ao soturno, oculto, sombrio e clandestino, assim como o período ser associado em geral a seres fantásticos e medonhos, e animais agressivos e violentos, revelam algo do papel da Lua como contraparte fundamental do Sol: em contraste com a clareza e previsibilidade de tudo o que é claro, ao contrário da personalidade consciente e da imagem bem definida que temos de cada um de nós, a Lua representa a escuridão do inconsciente, o lado indefinível e que ainda-não-veio-à-tona da nossa psique.

                Podemos por exemplo ser educados e esclarecidos sobre um preconceito qualquer, que em contato com a coisa ainda temos aquele arrepio e repulsa “como que brotando de dentro”, a despeito de sabermos racionalmente que a coisa é inofensiva. Temos claros conflitos entre o que sabemos ser correto pensar/sentir e o que realmente pensamos/sentimos, o instinto que insiste em não ser domado. O impulso de agir que brota de dentro e que ocasionalmente nos surpreende com um lado de nós mesmos que “não conhecíamos”.

                Falando mais claramente, a Lua representa a Esfera de Sombra da psique, que reúne as reações inatas e os pensamentos subconscientes, que povoam nossa mente, mas que não foram racionalizados.

                Muitas pessoas se sentem desconfortáveis ou insaciadas com a descrição do signo solar. Especialmente quando falo da Astrologia Sideral, que faz a maioria das pessoas regredir um signo no mapa [escreverei sobre o assunto em breve], há uma insatisfação imensa, pois embora geralmente se concorde, racionalmente, com a descrição do signo solar, resta uma sensação de que “não sou só isso”. O que é óbvio. Como astrólogo, vejo como uma irresponsabilidade falar do signo solar isoladamente, quando a descrição mínima seria do sistema Sol-Lua, a junção das esferas de luz e sombra completando o contorno do esquema do ser. Um virginiano com Lua em Áries vai ser mais agressivo e crítico do que outro com a Lua em Câncer, por exemplo. A junção Sol-Lua, o Casamento Alquímico, fornece um primeiro e superficial esboço da psique, sua “silhueta”, por assim dizer.

                Neste sentido, um estudo dos aspectos entre o Sol e a Lua fornece informações adicionais valiosas sobre a mente da pessoa. Uma pessoa muito querida possui Sol em Peixes e Lua em Virgem: quase uma oposição, ou seja, uma tensão entre forças opostas, quando a mente racionaliza e cristaliza como ego consciente o oposto do que o subconsciente sugere em sussurros esparsos e reações mecânicas em momentos de crise. Esta pessoa tem o instinto pisciano tipicamente sonhador e altruísta, e cobra isso de si mesma em um nível de detalhe e perfeição digno do signo de Virgem. Outra conhecida possui também o Sol em Peixes, mas a Lua exaltada em Touro, resultando numa personalidade mais pé-no-chão e realista, preocupada com o prático e pragmático, equilibrando a força do signo solar.

                Um aspecto positivo ou negativo entre o Sol e a Lua poderiam determinar a natureza do Casamento Alquímico, sinalizando uma série de armadilhas mentais e potencialidades, sendo portanto uma ferramenta poderosa de psicanálise e um ponto de partida para um real e profundo ‘nosce te ipsum’.

                Nos mistérios iniciáticos, a Lua figura como protagonista, pois é a chave para a liberação de forças inconscientes que dão ao Ego mais profundidade e potência – é a chave da intuição, e o princípio do vôo para fora do chão raso das certezas racionais e do conhecido e do cognoscível. O triunfo de Mohammed é celebrado em vários símbolos islâmicos como o Crescente: a Lua cujo eclipse ele previra com sucesso e exclusividade, e portanto um símbolo do triunfo da Mística sobre a Razão através do imenso Poder potencial do incognoscível. Nos Mysteria de Tartessos, a Deusa-Lua Ioa fornecia, no ato iniciatório, a febre e o êxtase místico, o primeiro portal rumo à realidade transcendente no tempo imanente, e em vários seres sobrenaturais (ou seja, alquimicamente transmutados) do folclore popular, a vida ativa se dava à noite, sob o poder da Lua.
 

                         E é por esta faculdade de iluminação interior e ascese iniciática que os dórios deram a essa Deusa-Lua iniciática o nome de Selanna, Selene na Grécia clássica, nome proveniente de ‘selás’: brilho, claridade – a clareza de percepção quando as portas da intuição se abrem e todo o conteúdo latente da Esfera de Sombra é acessado e consultado.

                Um Xamã, neste sentido, é uma personalidade predominantemente lunar. Ao contrário do sacerdote e do místico, que elaboram ritos e dogmas com base em doutrinas aprendidas de superiores hierárquicos ou ordens institucionalizadas, cada Xamã tem um aprendizado único, jejuando na floresta: ninguém conhece o culto que ele oficia, que Deuses ou forças invoca, seus pensamentos e teologias – antes, ele apreende todo o conhecimento necessário para ‘xamanizar’ a partir de si mesmo e de sua experiência de jejum, meditação, visões, sonhos e rituais espontâneos e improvisados conforme a necessidade.

                Enquanto o sacerdócio pertence a uma forma de espiritualidade solar, racionalizada e dogmática, consciente de si mesma e de sua forma, o xamanismo é uma via totalmente lunar (assim como a Gnosis ideal) no sentido de que todo o seu corpo de conhecimento é intuído e buscado nas profundezas da mente, forjado pela experiência e raramente definível ou explicável para qualquer outro. No vídeo abaixo, por exemplo, temos um exemplo de uma espécie de canto, de invocação, típico do xamanismo, que não é absolutamente aprendido nem treinado, mas extraído inteiramente da mente inconsciente:



                A capacidade para buscar dentro de si uma expressão, uma vontade, na forma de canto, de dança, de arte em geral, é associada à Lua astrológica e seu riquíssimo acervo do inconsciente microcósmico. Por isso nas interpretações convencionais a Lua indica uma sensibilidade e um gosto pelas artes, e processos similares. Mística, espiritualidade, artes, todos conteúdos sêmicos, obedecem a um mesmo impulso primordial de representar e racionalizar os símbolos que saltam do subconsciente e se fazem visíveis à esfera racional!

                Tudo isto somado, a Lua representa um poder e uma influência absolutos na mente de cada um, pois rege o poço de pensamentos potenciais que é o subconsciente, a partir de onde se constrói o pensamento racional e, portanto, a personalidade. Mas mais do que isso, compreender a Lua de cada um pode nos ajudar a compreender a personalidade quando em crise ou colapso, quando a razão se debilita e a natureza interior é demonstrada, e além disso, auxilia na compreensão dos pendores espirituais de cada indivíduo – onde e como há a necessidade de se desprender do cognoscível e mergulhar no abismo de Si Mesmo.





 "Três coisas não podem mais ser escondidas: o Sol, a Lua, e a Verdade".
 - Siddharta Gautama





Ennoia, Isaria,
Aus der Lichte der Mond
Aus der Dunkel der Nacht
Nahst du dich in deiner Macht







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