Plutão Astrológico
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
(Mário Quintana, poeta brasileiro)
As
mitologias antigas sempre descreveram sistemas simbólicos da existência, com
duas claras proeminências: uma, o centro da espiral – Omphalos, o Monte Olimpo,
Yggdrasil, o Sol, etc – que é o sustentáculo, eixo ou fonte do sistema; a outra
proeminência, descrita com muito menos clareza, é algum tipo de borda, uma
região limítrofe confusa entre o que está dentro e fora do sistema da
existência. Quer chamemos Niflheim, Hades, o Espaço exterior ou, nos termos
mais dramáticos de Lovecraft, “as profundezas infernais do cosmos”, existe uma
zona delimitada entre o terreno, material, cognoscível, e a potencialidade
infinita não-atualizada que adensa o espaço exterior à existência material.
Netuno,
na borda do “inner circle” da realidade psíquica, já possui um ar etéreo, espectral
e traiçoeiro, como que num degradée de densidade a substância mental se
tornasse cada vez mais rarefeita. Dali em diante: ilusões, medos, inseguranças,
pavores.E o que se apresenta, uma esfera astrológica além disso, pertence a
Plutão.
Nome
dado ao pequeno e hipergelado planetoide descoberto em 1923, remete ao deus
romano que presidia o reino dos mortos . Importantíssimo distinguir que Plutão,
Hades ou Vides não era, como Chronos-Thanatos-Saturno-Jehova-IAO, o responsável
pela mortalidade dos entes... ao contrário, ele era o rei do Mundo dos Mortos,
deus daquilo que retorna ao não-manifesto, que morre, transmuta-se, é
acrisolado no fogo ou, num sentido iniciático, “sai da caverna”.
Tal
distinção é crucial para entender o papel psíquico de Plutão. Sua rotação em
torno do sol é a mais lenta e excêntrica, levando de 12 a 30 anos para
transitar cada signo, e cerca de 245 anos para o seu retorno. Por isso os
astrólogos costumam denominar Plutão como um “astro geracional”, ou seja, um astro
que por sua lentidão age não no nível do indivíduo, mas no do coletivo.
BULLSHIT. Ora, se compararmos com a rápida rotação de Mercúrio, e a
inconstância de seu temperamento (vide geminianos), a ação dos chamados “astros
geracionais” não age menos no nível da psique individual... age com mais
constância, mais força, martelando sempre a mesma tecla.
Isso
dá à ação plutonina, e aos plutoninos, uma característica peculiar. O plutonino
é extremamente forte. Mas não forte no sentido estereotípico de Marte, aquela
força bruta, que intimida e se impõe. É mais a força da resiliência, da
resistência a tudo, de manter-se empertigado frente à ruína e sobreviver a tudo
e todos. O plutonino é obsessivo, impossível de ser convencido, e da sua
maneira silenciosa e reservada, pode ser letal. Com frequência, aspectações de
Plutão estão relacionadas com fanatismo agressivo (político ou religioso) e
ações súbitas e brutais como assassinatos. Aspectações menos negativas sempre
vão significar obstinação, obsessão, força interior, impassibilidade,
magnetismo psicológico e sexual, ação silenciosa e oculta, vingança.
Características arquetípicas de Escorpião, o signo regido esotericamente por
Plutão.
Por
outro lado, e indo mais fundo na questão, a esfera astrológica de Plutão
representa um tipo especial de morte: a ‘Mortificatio Anima’ dos alquimistas,
literalmente a “mortificação da alma”, que é o processo onde tudo, todos os
gostos, apegos, certezas, vão sendo arrancados do indivíduo, onde a carne e os
órgãos são arrancados (metaforicamente) e só sobram os ossos: como na história
de Jó (que falhou miseravelmente no seu teste) ou de Siddharta (que passou, ‘summa
cum laude’, no teste)... porém, Plutão não é Saturno, e não se trata aqui de
perdas apenas – pois no final, depois de morrer para cada gosto, apego ou
certeza racional ou emocional, Plutão faz o morto identificar-se com a Morte,
encará-la de frente: e eis que acontece a transformação, a “alquimia”
suprema... pois mesmo perdendo tudo, no drama plutonino o indivíduo reconhece
que depois de morrer, algo de si subsiste... algo etéreo, não muito bem
definido, mas que sobrevive inalterável a todas as misérias e derrotas. A esse “algo”,
que pulsa intermitente como um coração fantasma, o indivíduo o chama “Espírito”
e o identifica como seu próprio Eu Eterno. Àquele outro eu que foi dilacerado,
o indivíduo o chama “Alma” e o despreza por sua inconsistência e
transitoriedade.
Nesse
drama arquetípico, ideal, o indivíduo vai até o final da jornada e ao “matar a
própria Morte, desperta ao despertar”. O que na realidade quase nunca acontece,
porque para transpor a última barreira psíquica, Plutão, a Mortalidade do
Transitório, é necessário superar uma dose cavalar de medo e pânico. Enquanto
os ideais culturais da humanidade incentivam o homem, no seu processo de “evolução”,
a viver os dramas arquetípicos de todos os outros astros, ao chegar em Plutão o
medo faz parar, e se cria uma aura de terror em torno de tudo o que envolve a
mortalidade da alma: dores, decepções, perdas, lutos, guerras e derrotas
tornam-se o próprio MAL, aquilo que deve sumamente ser evitado e ignorado como
uma vergonha, como algo a ser eliminado.
Ao
contrário, se incentivará o humanismo, a busca da “felicidade” estática, a
exaltação do sucesso em tudo e da vida fácil, como o próprio sentido ontológico
da existência mundana e anímica. Cada vez mais as pessoas são fragilizadas e
sensibilizadas, com cada vez menor capacidade de autoanálise, com cada vez
menos tolerância à “morte”. Da invenção do ‘politicamente correto’ aos Teletubbies,
da criminalização dos “discursos de ódio” à criminalização do chamado bullying,
o medo de Morte está tornando o ser humano uma criatura mimada e chorona,
incapaz de lidar com confrontos e perdas, com uma fragilidade interna cada vez
mais crítica e preocupante.
Isto
porque o plutonino típico é o mestre das pequenas mortes do dia a dia, mas
também da regeneração. No campo de ação da esfera plutonina, o indivíduo terá
uma alta capacidade de se recuperar de tombos e recomeçar... a própria capacidade de resistir, quando
tornada consciente, torna-se uma fonte e um manancial de força e de orgulho
dignificante, e fornece ao indivíduo energia e obstinação suficientes para
realizar grandes exibições de poder e potência ao longo da vida. Usando uma
metáfora, Moisés teve de BATER na rocha com o cajado para que brotasse a
água...
Este
segredo plutonino, que é capaz de fazer brotar uma energia sobre-humana das
profundezas da mente, é o sentido axial de todas as provações e testes
iniciáticos dos círculos herméticos e das escolas de artes marciais. Quando um
Arquétipo Eterno se projeta no plano material, se quebra em uma dualidade: no
caso do Arquétipo Guerra, que rege a vida dos Kshatriyas, este se quebra em
duas esferas astrológicas, Marte e Plutão, Ares e Vides. Enquanto o indivíduo
de Marte se eleva através da ação, da coragem heroica no ato honorífico, o
valor e honra do indivíduo plutonino estão ligados indissoluvelmente à prática
da transmutação interior, ao “ascetismo” que significa tomar posição ante o
umbral da esfera de Plutão, chamar para si o drama arquetípico desta esfera e
vencê-lo: como os antigos povos hespérides e as pitonisas dos Mysteria de
Eleusis diriam, significa olhar dentro dos olhos da Medusa e sobreviver à
transmutação em pedra fria.
Por esta razão, o glifo de Plutão significa o Espírito, círculo fechado em si mesmo (alheio e insensível ao transitório), entronado como centro da personalidade (crescente voltado para cima), por cima da cruz da matéria.
E
quem é que seria louco de enfrentar e transcender Plutão, quem é que em sã
consciência cruza o rio Styx e passa para o plano dos “mortos”... muito poucos,
na verdade. Pessoas provadas em batalha, com uma alta e superdesenvolvida
consciência de si que olharam para dentro e descobriram não pertencer a esse
mundo... aos heróis como Prometheus que resolveram desafiar todos os Deuses
para reclamar o fogo para si, para reclamar para si sua herança divina e
assento no Olimpo. Aos que ainda gostam dessa vida e de ser meros humanos, isso
não só é vetado como pode se provar fatal.
Voltando
à comparação Jó-Siddharta, ela é importante porque revela uma distinção axial
que pode significar o sucesso ou fracasso ao tentar transpor os umbrais de Plutão.
Jó, símbolo do ascetismo judaico-cristão, enfrentou “a noite escura da Alma”, a
privação suprema, como um castigo, ainda desejando no íntimo todas as coisas
materiais e se prostrando para o Karma para reobtê-las... o colocar-se nas mãos
de deus como um ato de auto-humilhação é na verdade um comércio, uma
negociação, na qual se faz um depósito a coberto no lado negativo da balança
kármica e se espera receber dividendos lá do lado positivo da balança.
Mentalidade típica de um povo de Vaishas, de comerciantes, mas que se tornou um
modelo de santidade em todo o mundo monoteísta ocidental.
Já
Siddharta enfrentou o mesmo teste por vontade própria, não por imposição, e o
superou ao simplesmente não desejar nem temer. Nirvana, em sânscrito, significa
Extinção, e ao não dar sentido a nenhuma tentação ou ameaça, encarando tudo com
uma suprema neutralidade, ele se tornou Bodhisattva, o “corpo” (sattva) de “Iluminação”
(Bodhi). O ascetismo auto-imposto deve ser tomado como um tipo especial de ação
guerreira, na qual se mostra na prática o desprezo a tudo que é transitório,
afirmando para si o imutável, o inalterável, o perene dentro de si, como
exigiria um Dharma (lei essencial) de um Arya (nobre da casta Kshatriya). Tal
distinção separa por um abismo, eternamente, o Budismo e o Hinduísmo do Cristianismo. O Ascetismo como ação nobre e heróica é a fonte de poder dos Rsis, os seres de energia pura e pura contemplação a quem mesmo Indra, o Rei dos Deuses, tinha pavor de enfrentar.
Portanto,
olhar para Plutão num mapa astral pode ajudar a compreender de que forma as
perdas sofridas na vida edificam, e qual é o grande teste da vida do indivíduo.
Os campos afetados por Plutão serão difíceis e árduos como nunca na vida, mas
por isto mesmo são a fonte secreta da maior espécie de força acessível ao ser:
o Vril, substância energética do Espírito que se manifesta como “Sol Negro” que
ilumina todo o ser de dentro para fora, e que pode se transformar numa geratriz
de força independente de todo o resto da mente, daquela espécie de força que os
soldados japoneses da segunda guerra se referiram ao contar lendas de pilotos
que foram alvejados no ar e mortos, mas que ainda tiveram forças para cumprir
sua missão e voltar para a base mesmo depois de mortos... movidos pela
obstinação da Honra, do senso sobre-humano de dever que Plutão lhes instilava.
"Deve-se morrer muitas vezes antes de morrer" (adágio Sufi).
Ennoia, Isaria,
Aus der Lichte der Mond
Aus der Dunkel der Nacht
Nahst du dich in deiner Macht
Sensacional
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