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"[...] cá entre nós, isto é uma parábola: um bom astrônomo saberá ler nas estrelas sinais e símiles que nos permitem silenciar muitas coisas." (F.W. Nietzsche)

sábado, 17 de setembro de 2011

Mercúrio Astrológico


Mercúrio Astrológico

“O mundo é tecido em duas dimensões principais, rigor matemático e harmonia musical; ambos estão unidos numa homogeneidade superior que pertence à própria incomensurabilidade do Sagrado.”


- Frithjof Schuon, "As Raízes da Condição Humana"

Para os alquimistas medievais, o mercúrio era o metal que representava a dualidade. Líquido e metálico, matéria e Espírito, quente e frio – entretanto, longe de representar o Chaosium que se estende de forma irruptora em todas as direções, o Mercúrio astrológico é a força que lida com todas as dualidades e pontas soltas geradas pela grande (e não muito inteligente) força motriz da Vida, o Sol, e as une em um todo coerente e sólido.

Basta lembrar de Hermes, Mercúrio para os Romanos, o deus-mensageiro, de pensamento e fala rápidos, e seu caduceu com duas serpentes entrelaçadas. Hermes é o deus do inesperado, da coincidência, da sorte – por isso ligado muitas vezes a comerciantes e trapaceiros em geral – deus da fala e do silêncio, da eloqüência, do discurso que convence e conduz, dos enganos e da dialética, o deus irônico e alciônico que observa a todos os perdidos e confusos a partir de cada bifurcação e encruzilhada.


Hermes é, num sentido mais imediato e material, o deus que se encontra nas encruzilhadas, sempre com um conselho enigmático, tornando fluido o que era fixo, dissolvendo as certezas mal fundamentadas, e introduzindo aquele fervilhar confuso do cérebro sempre que se descobre um fato ou uma perspectiva nunca antes considerados (sua oitava superior, neste caso, seria Hécate, que exerce a mesma função em planos e circunstâncias mais transcedentais – mas falaremos a respeito quando terminarmos de percorrer o caminho até Saturno, e entrarmos no plano das forças transcedentais da psique).

Segundo o dicionário etimológico de Francis E. Valpy, Mercúrio não é uma palavra grega ou latina, mas gótica (n.a. dos antigos Godos, povos germanos que habitavam à época o sul da Alemanha, Áustria, partes da Eslováquia e Hungria, e que na Dácia tinham contatos com os gregos): merkia, um verbo que podia significar coisas como cortar lenha, trabalhar o metal, contar, enumerar, calcular ou prever – todas as atividades, em síntese, onde se refina e racionaliza os processos brutos, onde se apreende o fenomênico através da razão. Essa noção sobreviveu no alemão moderno de forma mais ou menos vaga, na forma do verbo merken – lembrar-se.

Mas falávamos do caduceu... antes de me perder em milhares de outros pensamentos e considerações (como é comum acontecer nas circunstâncias regidas por Mercúrio). Como na observação corretíssima de Schuon que abriu este artigo, a constituição dos entes é dual – entre o apreensível e o arquetípico, o físico e o astral, o matemático e o harmônico, enfim, chame-se sob que perspectiva desejar, existe um claro jogo de espelho na constituição de cada coisa apreendida pela nossa experiência (para quem tenha a delicadeza e a profundeza de notar), pela constituição fractal do Universo que repete os mesmos arquétipos em infinitas combinações, em projeções sempre imperfeitas de uma idéia (entelequia) em cuja direção tudo ruma.

Nossa própria apreensão das coisas, condicionada pelo Ego (sempre nos perguntamos “o que é isto para MIM?”; a questão “o que é isto, em si?” é virtualmente inapreensível para a mente humana) faz com que surjam dualidades e paradoxos, que Mercúrio vem unir e costurar na forma de concepções racionais – Mercúrio-Hermes é o deus dos paradoxos, das contradições, das quais duas são bem interessantes:

1) Mercúrio é o Deus dos donos de lojas e comerciantes honestos, e ao mesmo tempo, é o deus do submundo dos pequenos criminosos – ladrões, falsificadores, golpistas, batedores de carteiras, aliciadores (em oposição a Plutão, que tem influência nos crimes mais “pesados” e chocantes)... aonde termina o comércio honesto e se inicia o engano? O próprio vender algo não exige tanto refinamento e maquiavelismo quanto o de um golpista? Os dois extremos da atividade intelectual e gregária da comunicação, da malícia, da dialética e da arte de convencer se tocam na sua dependência da rápida organização de idéias e discursos que Mercúrio proporciona. Seria todo convencer e ser convencido, toda a comunicação humana, toda aliança e agrupamento e contrato – uma desonestidade em relação ao Ego próprio?

2) Em todo lar grego, dois elementos eram praticamente uma constante: um pilar na entrada dedicado a Hermes, e o fogo para aquecer/cozinhar dedicado a Héstia, a deusa a quem as virgens vestais eram consagradas. Se pensamos na aparente contradição entre essas duas deidades – o viajante sempre na estrada, curioso, rápido, ligado ao Ar (Gemini) e a dona do lar, que centraliza e organiza, ligada à Terra, crítica, prática, racional, detalhista (Virgo), temos os dois signos regidos por Mercúrio. Dois lados da mesma moeda.

Antes da introdução dos planetas trans-saturninos, dos doze signos, um era regido pelo Sol (Leo), um regido pela Lua (Cancer), e os outros dez eram regidos par a par pelos cinco planetas restantes, constituindo parelhas arquetípicas ou pares de opostos ideais, como os “lados de uma mesma moeda” – a idéia na astrologia ainda é válida, mas quando os planetas gasosos entram em jogo, precisamos também considerar que o terreno de experiências humanas experimentado além de saturno é outro, mais etéreo, mais ilógico, mais espiritual em todos os sentidos. O que não anula as oposições, mas introduz além da oposição horizontal uma outra questão vertical.

Podemos aprofundar ainda a contradição entre os dois signos apadrinhados por Mercúrio, Gemini (“Os Gêmeos”) e Virgo (“A Virgem”). Enquanto o primeiro é o comerciante e publicitário nato, aberto e sociável, comunicador, o segundo é crítico, detalhista e fechado em si, introvertido até o último; dois lados do mesmo processo intelectual, sem dúvida, e a origem da oposição introvertido/extrovertido de tipologias psicológicas como o MBTI (indicador de tipos de Myers-Briggs... dê um google nessa sigla, vale a pena); o fato é que Mercúrio, três vezes por ano, entra em movimento retrógrado – ou seja, parece estar andando “para trás” no zodíaco. Na verdade este efeito é causado pela rotação da Terra, mais ou menos quando você vê um carro, na mesma direção que você, “andar para trás” porque você acelerou mais do que ele, ou ele desacelerou.


Quando uma pessoa tem Mercúrio retrógrado em seu mapa natal, ela tenderá a ter dificuldades de comunicação, e preferirá pensar mil vezes antes de dizer, tendo um forte foco reflexivo e introspectivo, uma atenção especial ao passado e uma forte memória. Com Mercúrio retrógrado no mapa de um evento ou circunstância, a comunicação pode simplesmente não se estabelecer, havendo mal-entendidos e ambigüidade, idéias confusas ou mal expressadas, pois é natural que, às vezes, a aceleração extrema que Mercúrio impacta nos nossos pensamentos faz com que simplesmente seja difícil colocar esse turbilhão de idéias em uma ordem coerente e lógica. É necessário buscar, referente à razão, um meio-termo entre o criticismo detalhista e a confusão fervilhante de novas idéias e descobertas, entre o metal e o líquido, entre o fixo e o fluido, e a convergência das serpentes no caduceu mostra o aperfeiçoamento no uso da mente, a partir do momento que aceitamos e sincretizamos o paradoxal, e caminhamos verticalmente entre os extremos.

Voltando agora ao caduceu, já que o mencionamos acima (droga, me perdi de novo!), num nível imediato ele significa justamente o “costurar” uma visão, uma compreensão, através do entrelaçamento de princípios opostos e sua fusão em um algo compreensível – o Alexipharmacon, Medicina Universalis, a cura de todos os males, destilado da boca de ambas as serpentes simultaneamente, ou falando de maneira clara, a Razão e o raciocínio como as formas de dissipar a nebulosidade do incompreensível e deitar uma âncora firme em terra para as nossas experiências (o que é verdadeiro, mas apenas para o âmbito do estritamente mundano).


Prestemos a atenção devida ao glifo de Mercúrio: no centro o Sol, projetando o existente; acima dele, duas serpentes opostas (o paradoxo, o dual, o incompreensível), e abaixo a cruz, símbolo da Matéria e do mundano. A atividade de Mercúrio é a de codificar, sistematizar, organizar e ligar em rede o que o Sol (Ego) apreende, sendo portanto a atividade dual

indutora/dedutora que chamamos de “Racional” ou “Intelectual” e que faz com que as experiências apreendidas não sejam isoladas umas das outras (como aconteceria se só o Sol existisse) mas se interliguem em categorias, causas, efeitos, semelhanças, similaridades, oposições, etc, etc, etc.

Sem Mercúrio, saberíamos apenas que vermelho é vermelho e que azul é azul, não teríamos a categoria “cores”, frio ou quente, intenso ou suave, e todas as miríades de categorizações que povoam nosso pensar, e que multiplicam e interligam nossas experiências sensoriais por milhares de vezes a força original – quantos LIVROS poderiam ser escritos a partir do Discurso da Flor do Buda (o “discurso” consistiu no ato dele pegar uma flor do chão e mostra-la aos discípulos), um gesto que pode ser investigado e remexido e decomposto em quase infinitos simbolismos e significados ocultos muito além do óbvio!acontecendo, como que numa busca sôfrega por capturar dados para poderem unir suas próprias pontas soltas, seja essa preocupação consciente ou não. E é a consciência da multiplicidade infinita de significados e nuances e conexões que torna as pessoas de mercúrio vistas pelos outros como as mais intelectuais e curiosas, mas igualmente as mais frenéticas, insones, às vezes neuróticas e incapazes de se concentrar em uma coisa só. Esse cartoon mostra bem como as pessoas de Mercúrio são vistas de fora:



Pensar, relacionar, categorizar e comparar, e após isto, comunicar e convencer os outros pela lógica e sentido claros do que você expôs, são atividades que requerem a malícia e a agilidade de Hermes, e o critério cuidadoso e higiênico de Héstia, indução e dedução respectivamente, que de acordo com Moyano e outros autores junguianos, são operações primárias do cérebro que se seguem automaticamente após a apreensão do ente – racionalizamos a coisa antes de racionalizar que racionalizamos! – o que explica Mercúrio ser o ente mais próximo do Sol (nos mapas geocêntricos, Mercúrio NUNCA está a mais de 27 graus de arco do Sol, porque à nossa distância ambos estão realmente próximos), e o que explica também o fato (al)químico do metal mercúrio somente aderir a metais preciosos como o Ouro (Sol): o que constitui a consciência pura, o Ouro alquímico, Mercúrio amalgama e junta, e por este motivo os mineradores poluíram as águas por séculos com Mercúrio, que se acumula e passa inalterado por água, carne e outras formas de matéria complexa, mas amalgama e se une aos metais preciosos e isolados – quem quiser que faça suas analogias e tire suas conclusões (com a ajuda de Hermes!), pois o fato de todas as nossas experiências poderem ser inter-relacionadas está na raiz da sábia afirmação de que tudo tem a ver com tudo - no fenomênico, não há pontas soltas, pois Mercúrio as une a todas umas com as outras.

"Então o jargão da alquimia foi criado, uma ilusão impenetrável para o vulgar com sua ganância por ouro, um idioma vivo só para o Verdadeiro discípulo de Hermes".

- Eliphas Levi, "De Dogme Rituel de la Haute Magie"




Ennoia, Isaria,
Aus der Lichte der Mond
Aus der Dunkel der Nacht
Nahst du dich in deiner Macht

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