Urano e a Fronteira Tríplice de Labrelix
"- Vamos, disse eu; vamos amigos! Partamos! Finalmente a mitologia e o ideal místico estão superados. Nós estamos prestes a assistir ao nascimento do Centauro e logo veremos voar os primeiros Anjos! Será preciso sacudir as portas da vida para experimentar seus gozos e ferrolhos!... Partamos! Eis, sobre a terra, a primeiríssima aurora! Não há que iguale o resplendor da espada vermelha do sol que esgrima pela primeira vez nas nossas trevas milenares!"
- Filippo Tommaso Marinetti, O Manifesto Futurista
Em 1783, o
cientista russo Anders Lexell fez alguns cálculos a respeito de ζ-Tauri, um
corpo celeste observado pelo astrônomo William Herschel (reputado como seu
descobridor) em 1781, e antes dele pelo francês Pierre Lemonier em 1750. Os
cálculos indicavam que o corpo tinha uma órbita... planetária.
O
fato reconhecido imediatamente de que se tratava de um planeta teve um efeito
demolidor na cultura, que já sofria as demolições da Revolução Francesa e da
economia de mercado – desde o remoto princípio das ciências arquetípicas, o
modelo aceito do sistema solar incluía até Saturno, além do qual haveria apenas
Éter. E não-tão-coincidentemente, o efeito da descoberta de Urano remonta à
própria essência arquetípica dessa esfera.
Ainda
hoje, muitos astrólogos não assumem a existência das esferas de Urano, Netuno e
Plutão, aos quais soma-se ainda o asteroide Chiron que será tratado no blog, e
que tem importância grande nos mapas: os planetas “punk” (plutão, urano,
netuno, “k”iron), usando a expressão de uma escritora inglesa, não tendo sido
detalhados nos textos antigos, são simplesmente descartados na chamada
“astrologia tradicional”.
Eu
defendo que a astrologia tradicional perdeu a tradição esotérica, que enxerga a
realidade como um sistema de fractais e espelhos, nos quais os arquétipos se
repetem com variações de significância e contexto, mas formando um quadro
sempre coerente com qualquer outro nível fractal: que o sistema aristotélico
clássico baste para cobrir as forças psíquicas essenciais – isso é uma verdade
parcial – mas a existência de outros astros nos coloca para pensar: assim como
o cinturão Ψ gera uma divisão especular que confronta as mesmas forças
arquetípicas nas esferas de sombra e luz, e além de Plutão existem Sedna e
outros astros que diriam apenas respeito a sentidos e planos mais complexos do
que a mente humana (talvez a alma desencarnada, talvez seres mais complexos e
de longa vida), os planetas e astros trans-saturninos tem um significado
especial.
De
uma forma geral, os astros trans-saturninos possuem uma órbita muito mais longa
do que o alcance da vida humana: a órbita de Urano, de 84 anos, coincide
vagamente com a duração de uma vida humana na Terra, servindo assim como uma
ponte entre as influências psíquicas microcósmicas e as forças anímicas astrais
que retroagem na Psique. Essa posição de ponte entre a Psique encarnada e a
influência transcedental da anima
além das encarnações em algo justifica o planeta ter sido batizado Ouranos: o
Deus da Origem castrado por Chronos, negado pelos olímpicos (Devas, Drotnar)
como toda a estirpe primordial dos Titãs (Asuras, Jotnar), assim como as
pessoas comuns tendem a negar o transcedental que possa desfazer a ilusão de
sua segurança num mundo sólido e fixo.
A
jornada pelo âmbito da Consciência começou em Júpiter: a Vontade consciente
como intencionalidade do pensar referido a um Eu que é um fio histórico, e
prosseguiu por Saturno, o reconhecimento das limitações e medos do Eu.
Reconhecer e delimitar – os dois círculos de fogo que giram pelos céus dos
Asuras formam o Ego primário. A Psique é energia, mas o que gera energia é um
diferencial de potencial (ddp), que os Nórdicos identificaram como Muspell e
Niflheim, e a geratriz da energia da consciência é a tensão agônica entre
Júpiter e Saturno.
Digo
da consciência, porque bem antes o Sol já funcionara como centro gravitacional para
os construtos mentais, e sua tensão com a Lua gerou a energia psíquica
subconsciente, expressa como esfera emotiva em Vênus, enquanto Mercúrio
organizava a esfera racional e Marte, a vontade instintiva.
Júpiter
e Saturno entraram como princípios energéticos de uma esfera superior, de
pré-consciência nos entes menos desenvolvidos e de plena consciência nos seres
propriamente tríplices (corpo-alma-espírito). Diz-se que os entes
pré-conscientes operavam em torno de uma cadeia Elix, o signo da Espiral na
qual confluem todas as coisas sem vontade própria, e neste âmbito o sistema
Sol-Lua é a própria força propulsora da evolução, enquanto os demais planetas
até Marte possuem função estabilizadora, e Júpiter e Saturno possuem papéis
secundários.
A
introdução de um Espírito egóico nos entes mais evoluídos tornou incerto o rumo
Elix da evolução entelequial, e aqui estreia o conceito de Labrelix: a Vontade
aplicada dos entes pode alterar o rumo de sua evolução. A cada emergência de um
símbolo na mente, cria-se um dilema ético, que determinará um curso de ação. A
consciência transita no Labirinto das milhares de escolhas e caminhos
possíveis, impulsionadas pelo sistema Júpiter-Saturno (corredor α, “consciência
do problema”), e neste trânsito eventualmente a consciência depara com o
emergir de uma crise.
Segundo
Moyano, existem três caminhos possíveis (β,γ,δ), correspondentes às três
atitudes éticas, e aos três astros trans-saturninos. Demonstrarei aqui que
Urano corresponde à atitude ética sacralizante, e nos dois artigos seguintes
definirei os papéis de Netuno e Plutão.
Urano
é a oitava superior de Mercúrio; é uma energia intelectual, sem dúvida, mas não
na forma típica mercuriana de lógica e razão, mas antes uma intuição, uma
epifania, uma resposta que se impõe à mente com toda a força do símbolo sagrado
emergente. Urano rege o signo de Aquário, e como no mito aquariano de Ganymede,
que numa epifania se rebela contra a servidão laboral e sexual nas mãos de
Zeus, quando Urano opera sobre a mente causa sempre uma ruptura na ordem mental
estabelecida, uma quebra ou a imposição de algo novo.
Daí
ser chamado de o astro “Despertador”. Racional e frio, mas súbito e intuitivo,
quebra com facilidade a estrutura cultural anterior e possui o poder de alterar
radicalmente o comportamento; o próprio signo de Aquário, como discutido antes,
racionalista, progressista e científico, é movido por uma crise da consciência,
que o leva a extremos de dedicação: ao saber, ou a alguma causa gregária, via
de regra. O aquariano possui a noção mais nítida de todos do quanto o
individual deve para o todo (em oposição especular ao comportamento leonino,
seu oposto zodiacal, que possui o mesmo senso de “dívida”, mas sempre pensa em
termos do quanto o todo já deve a ele) – e será um revolucionário, um
voluntário, um cientista... qualquer coisa que apazigue sua consciência de
utilidade frente ao todo.
Este
comportamento é típico da atitude ética sacralizante: frente ao sujeito em
crise, um símbolo (ideia, ideal, ente, forma) se estabelece com plena força na
psique e se torna um novo centro gravitacional em torno do qual o pensamento
gira: o símbolo se torna assim “sagrado”, deus da psique e substituto do Ego
puro. Basta ver a vida de santos, revolucionários e mártires para verificar o
poder de um símbolo sagrado ao substituir o EU como centro referencial da
mente, e criar uma consciência imposta de fora para dentro, uma “consciência
universal” ditada pelas relações com o gregário.
O glifo de
Urano, diz-se, é uma homenagem a Herschel (um “H”), mas possui um simbolismo
por trás da alegação hipócrita: o círculo do Espírito subjugado pela Cruz da
matéria, aberta à percepção e incorporação por ambos os lados (racional e
emotivo): é o que Finley (2002) chamou de a “antena do espírito”, e indica a intuição
súbita, multidimensional, epifânica que discutimos, e que como um sinal de
rádio é “captada” desde fora do Eu e fornece à mente novos inputs. Esse glifo
torna compreensível porque Urano é o primeiro dos planetas trans-saturninos e,
portanto, a primeira opção de saída do tetrarque, pois tal receptividade
transformadora é o resultado ideal que maximizaria o desígnio ontológico do
Virya, e otimizaria sua performance nos objetivos micro e macrocósmicos da
finalidade.
Na
Astrologia política, Urano rege as revoltas e revoluções; no plano pessoal,
rege algumas transições importantes de personalidade: ao completar 25% de seu
trânsito (entrando em quadratura com sua posição natal), o indivíduo está perto
de seus 21 anos: é o início formal da fase adulta, do fim das revoltas e
angústias da infância (Urano impedindo sua própria ação via quadratura). Quando
completa meia volta, e se opõe à posição inicial, o indivíduo está com cerca de
42 anos e se dá a famosa crise de meia idade, quando a consciência se volta
contra si mesma e todos os seus valores, e quer-se inclusive renegar as
responsabilidades e consequências de escolhas anteriores. Com ¾ de volta, a segunda
quadratura, tem-se a “segunda maioridade”, o indivíduo é oficialmente idoso e
se aposenta.
Analisar
a posição de Urano no mapa ajuda a determinar para onde a mente se dirige
durante as crises, e de onde podem vir respostas sedutoras que parecem
salvadoras, mas trazem grande risco de fanatismo e confiança cega. Representa
também a parte “universalizante” da consciência, que nos coloca como parte de
um todo. Por outro lado, pois tudo possui ao menos um aspecto positivo e um
negativo, o signo e a casa de Urano no mapa podem representar o âmbito e a
natureza daquilo que nos faz quebrar todas as correntes do aceito, do
preestabelecido, e estabelecer novas verdades para nós mesmos. É o martelo que
destrói as partes da estrutura que estão comprometidas e não servem mais. Seu
uso cauteloso, consciente, e guiado com pulso firme pela Vontade pode fornecer
uma arma valiosa para a doutrina do übermensch pregada por Nietzsche, a
tresvaloração de todos os valores.
"Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.
O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganho uma força e vozes mais altas. Na Rua Voluntários da Pátria parecia prestes a rebentar uma revolução, as grades dos esgotos estavam secas, o ar empoeirado. Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão." (Clarice Lispector, 'Amor')
Ennoia, Isaria,
Aus der Lichte der Mond
Aus der Dunkel der Nacht
Nahst du dich in deiner Macht
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