Saturno Astrológico
“Nem os céus sobre eles afirmam tal conhecimento,
Nem sua prudência escapa ao destino.”
(Virgílio, sobre os
augúrios).
Na física
aristotélica original, a Esfera mais fria e distante do universo pertencia a
Saturno, que sendo a Esfera exterior, continha as demais e delimitava os
limites do cognoscível.
Desta
forma, a significação fundamental de Saturno é justamente “limites”. Se Júpiter
representava a Vontade Consciente, o Crescente do Ego sobreposto à Cruz da
matéria (o ato de “levantar os olhos do umbigo”), no glifo de Saturno o Ego é
completamente subjugado pela matéria: como um substrato das esferas racional e
de consciência, Saturno indica os limites, as limitações, fronteiras, medos,
responsabilidades e toda forma de “tu deves” – nos aproximaremos da questão aos
poucos.
Como
o guardião da fronteira externa do cognoscível e a esfera que contém todas as
demais, estruturalmente Saturno deve estar ligado à idéia daquilo que, em toda
ordem universal, é imanente e isotrópico – para os Antigos, tal propriedade é o
Tempo, cuja fluência sustenta estruturalmente o fenomênico.
Em
grego, a noção de tal tempo é traduzida por Chronos (Χρόνος), deus sem corpo nem forma,
companheiro de Ananke, a Inevitabilidade (notar correlação com o egípcio Ankh),
formador de todo o existente. Segundo tanto cabalistas e satanistas
tradicionais, a união espiralada de Chronos e Ananke forma o Aion, princípio de
toda magia, como a dualidade celta Bu/As. Por vezes se tem confundido Chronos com
Kronos (Kρόνος), o titã que devorava seus filhos para que não o sobrepujassem, e
que castrou Oranos, seu pai, para presidir sobre os céus até ser derrotado por
Zeus numa era posterior.
Tem-se
afirmado que são entidades diferentes; entretanto, sabemos que todo princípio
pode ser separado em arquétipo (essência astral) e ente (manifestação); a
diferença entre o pantocrátor sem forma e o titã devorador está em uma letra,
na letra inicial – enquanto o Chi grego (X) tem a mais suave sonoridade de
todas as letras, quase não pronunciada (sugerindo um caráter etéreo, delicado,
intangível, astral), o K é angular, incisivo, rude, indicando nesse caso o
concreto, o manifesto (os gnósticos designam com a junção destas letras: HK
(XK), o princípio Eterno que é a fonte do Vril, da energia infinita que
sustenta a existência perene além do Parabrahman e de todos os Kalpas, a
essência que Chronos tentou imitar de maneira tosca ao criar tempo e espaço).
O titã, então,
é a manifestação do Tempo na sua própria fluência, como princípio organizador,
e que ao castrar Oranos (o que há mais além) quis circunscrever e limitar a
existência às suas leis, negando o acesso às esferas superiores, ou seja,
negando a individuação completa da Consciência: a Cruz da Matéria subjugando o
Ego significa que o mundo externo exerce uma pressão terrível que impede à consciência
se considerar uma existência isolada e auto-suficiente: a Esfera de Saturno nos
imbui de sensos de responsabilidade e dever, laços com o mundano e compromissos
com o macrocósmico em geral.
Os hindus falam
de Kroni, um demônio sádico que rege o submundo para onde são mandados os
piores indivíduos após a morte: sofrendo horrivelmente nesse plano de
existência, a alma só adquire o direito de reencarnar após um forte
arrependimento de suas ações: é a mesma ação de Saturno, pois o arrependimento
é o senso tardio do dever. Outras analogias mitológicas são os deuses
levantinos El e Baal, ambos deuses do sacrifício humano (como o Kronos
mitológico, cuja ação de antropofagia simboliza a inevitabilidade do fim para
todo o criado: a foice de Kronos, no folclore cristianizado, se transformou na
foice do Colecionador de Almas, da “dona Morte”). Saturno é associado por
Theodorus Siculus a IAO, verdadeira pronuncia do Tetragrammaton I-H-V-H
originado de Iod-Havah que, no Atziluth, é o nome de Jehova Elohim, o sephirah
Binah, “spiritus sancti” ou aspecto Sabedoria de IAO, o deus judaico tomado
emprestado pelo cristianismo.
Sendo a oitava
superior de Vênus, num sentido estrutural, Saturno é sua antítese psicológica:
Vênus sustenta o Ego e o protege contra as forças de dissolução kármicas,
enquanto Saturno é o próprio Karma, neste sentido, pois obriga o ego a se
acorrentar a parâmetros externos a si mesmo: mesmo com o apodo de “Grande
Maligno” dado pelos Romanos, os astrólogos vêem em Saturno uma ação positiva
apesar de mórbida, pois ao lapidar o Ego e impingir leis, normas e o senso de
dever, o professor rigoroso ensina o auto-aperfeiçoamento, a ambição, o
trabalho árduo, o senso de dever, e ao contrário da generosidade ilimitada de
Júpiter, dá o pagamento justo, recompensando com mais poder o trabalho duro e
conduzindo a pessoa de volta às lições da qual ela quis fugir anteriormente, e
precisa passar.
É possível,
para os suficientemente auto-conscientes, USAR Saturno desta maneira;
observando sua posição no mapa, seu signo e casa hospedeiros, e as relações com
outros astros, é possível denotar onde e como o karma irá testá-los, e se
fortificar para as lições vindouras –sublimadas e trespassadas, são uma fonte
de poder interno e trazem uma relativa tranqüilidade temporária, karmicamente
falando. Alguns autores satanistas falam da noção de “sofrimento intencional”
ou calculado, que se resume em atacar a lição kármica o mais rápida e
fortemente possível para, cumprido o dever, ter um período de calmaria para
correr atrás dos próprios objetivos que o Ego cobiça. Mutatis mutandis, é algo
para se refletir.
Na Astrologia
Védica, fixa-se o período do primeiro retorno de Saturno à sua posição original
– entre os 22,5 anos e os 30 anos de idade da pessoa – como um período de
testes e provações, de cujo sucesso ou fracasso dependerá o Karma que o
indivíduo deverá carregar o resto de sua existência.
Isto
entende-se melhor através do mito de Pricus, o ancestral da raça mitológica dos
peixes-cabra, o mito que originou o signo de Capricórnio, o primeiro regido por
Saturno; dizem os manuscritos de Delphi que Pricus era um animal divino,
aparentado de Chronos; sua prole, os peixes-cabra, eram sábios e inteligentes e
sabiam falar; porém, eram muito atraídos pela terra, então começaram a deixar
as águas e com isso se tornavam cabras comuns, sem inteligência nem fala.
Pricus, desesperado pelo destino da prole, usou seus poderes de parente de
Chronos e reverteu o tempo para traze-los todos de volta. Porém, só ele sabia
do futuro com exatidão, e seus filhos não creram no conselho dele de não ir à
terra: assim, Pricus adquiriu a sabedoria mas descobriu que ela não podia
alterar o destino ou a vontade de ninguém – ao contrário, sua prudência era
tomada como aborrecimento, sua sabedoria como rabugice, pela prole jovem e
cheia de desejos. Solitário e amargo, pediu a Chronos para morrer, mas ao invés
disso foi eternizado nos céus como a constelação de Capricórnio.
O
capricorniano típico é responsável, maduro, ambicioso, enérgico e trabalhador,
mas com freqüência é tomado como um ser rabugento, sério, fatalista e
sorumbático, pois é comum entre os prudentes que se exasperem com o fato de
outros serem menos prudentes, sem aprender a lição de Pricus de que o destino,
Karma, gerado pelos desejos, é inevitável a menos que seja trabalhado por
dentro, microcosmicamente. Informação é transmissível, mas sabedoria e
experiência são incomunicáveis. A chave da sabedoria íntima está em compreender
como o desejo gera Karma, e como queimá-lo ou evitá-lo de maneira devida –
nesse sentido, entender a posição de Saturno no mapa astral pode ser
fundamental para compreender a chave do drama que se deve virar para que, como
diz Platão, finis tragoedia, incipit
comoedia – termine a tragédia e comece a comédia, o espetáculo risível visto
a partir de olhos transmutados alquimicamente.
Dizem os
budistas que o on, a dívida de honra
adquirida com alguém, pode ser quitada simplesmente ao se ensinar a Doutrina
(budista); o fundo de verdade disto está no fato de que em geral, as culpas e
medos e pesos na consciência trazidos pelo Karma compelem a mente a tentar um
mecanismo compensatório através da dedicação a algo ou alguém; a pesquisa, a
filantropia, a concentração suprema, a abnegação, todos são mecanismos de
compensação a alguma espécie de culpa percebida pelo ego e travestida de dever:
tal é a razão de EXISTIR um Karma em primeiro lugar – uma pilha que dá energia
e motivação para as pessoas... produzirem!
Esta outra
faceta do Karma – a sublimação da culpa e da crise em atitude ética
sacralizante, é melhor expressa pelo outro signo regido por Saturno, Aquário, o
Portador das Águas. O mito que origina o signo é o de Ganymede, um jovem
extremamente belo que chamou a atenção de Zeus, que o seqüestrou como amante e
servo, servindo bebidas a Zeus quando este desejasse; Ganymede um dia se
revoltou contra sua escravidão e derramou ao chão todos os barris de ambrosia e
toda a água do Olimpo, criando o dilúvio. Porém, ao invés da vingança cruenta
que Zeus costuma impingir a todos os seus opositores, o ato de Ganymede o fez
cair em si e perceber a injustiça de sua atitude, e como recompensa ele
imortalizou Ganymede nos céus como uma constelação.
Pode-se dizer
que Zeus aqui tomou consciência do Karma que ele mesmo gerou, o que o compeliu
anormalmente a uma ação compensatória; costuma-se associar as pessoas de
Aquário com esse impulso humanista e social, que busca sempre agir em prol do
bem comum e buscar a Verdade acima de tudo: a imagem do guerrilheiro
revolucionário e do cientista moderno são igualmente aquarianas, pois são
saturninas no sentido de estrutura e ordem, porém expressando um desejo de
reforma, de progresso, de bem comum aliado a uma rebeldia natural que faz com
que não aceitem autoridades não explicadas, não se contentem com dogmas nem com
o místico, mas aceitem somente fatos racionalmente comprovados; o aquariano
adora princípios e desafia o arbitrário para denodar suas leis e dinâmicas
ocultas: a epítome do signo de Aquário é um dito comum entre os economistas, “mentes
frias a serviço de corações ardentes”.
Tudo isso
reunido, cabe apenas mais um comentário; eu resumi o quanto pude, ao essencial
e arquetípico, um perfil de Saturno, pois a multiplicidade de mitos e versões
desse astro podem confundir se não se tem em mente que os mitos orbitam em
torno de um núcleo mais ou menos indiscernível que é o próprio Arquétipo
daquela esfera astrológica; como o deus predominante em todos os cultos
modernos, Saturno se multiplicou numa gama imensa de mitos, cuja exposição aqui
só confundiria ao invés de ajudar – por isso, peço desculpas pela pobreza dessa
dissertação, e espero poder ter transmitido o essencial e indispensável: que
Saturno, o Grande Maléfico, uma força terrível de se peitar de frente, não deve
ser totalmente confiada pois é cortante e pungente, e não se deve lidar com ela
de forma passiva, mas que é possível compreender astrologicamente a forma como
Saturno se manifesta na sua vida e “dançar” alquímica e psicologicamente com o
astro, se fortalecendo com suas lições e o abandonando por fim, rumo aos astros
trans-saturninos, a pura esfera de consciência sem condicionamentos subconscientes
– ou seja, rumo a Urano, Oranos, o Céu que existe mais além!
“Por essa razão, depois de avaliar intelectualmente os seus problemas
através do senso comum e extrair o que a psiquiatria nos tem ensinado, se você
ainda não pode emocionalmente liberar a si mesmo da culpa injustificada, e pôr
suas teorias em ação, então você deveria aprender a fazer a sua culpa trabalhar
para si. Deveria agir sobre os seus instintos naturais, e então, se você não consegue
se realizar sem o sentimento de culpa, divirta-se na sua culpa. Isto pode soar
como uma contradição de termos, mas se você pensar sobre isto, culpa pode
freqüentemente acrescentar um estímulo aos sentidos. Adultos deveriam aprender
bem a lição com as crianças. Crianças freqüentemente têm prazer em fazer alguma
coisa que eles sabem que não deveriam fazer”. (da Bíblia Satânica)
Ennoia, Isaria,
Aus der Lichte der Mond
Aus der Dunkel der Nacht
Nahst du dich in deiner Macht